Confira a
entrevista feita com Rodrigo Balestra, mestrando em arquitetura e Desenhista Industrial,
sobre a apresentação de seu artigo: “Fenomenologia e Design Emocional:
Abordagem Conceitual para a Qualificação do Mobiliário Urbano das Cidades”
durante o Seminário Nacional: Pensando o Projeto, Pensando a Cidade.
Fórum: Qual a
discussão de sua palestra e como podemos melhorar o mobiliário urbano de
Goiânia?
Rodrigo: A palestra discorria sobre um
artigo escrito para o mestrado, que trata de dois conceitos que se interagem na
busca pela qualificação do mobiliário urbano. Primeiramente, a Fenomenologia,
que é o sentido que a gente dá para os lugares, o estudo dos fenômenos que podem
interferir na produção desse mobiliário, no comportamento das pessoas e no
próprio sentido do lugar. Esse conceito de lugar suscita uma série de
discussões que relacionam a identidade local e o diálogo com a cidade, com sua paisagem
urbana, e como isso se dá o reconhecimento dos usuários em relação a esse
conjunto de mobiliário urbano. A Fenomenologia nos ajuda a compreender também os
aspectos econômico, social, histórico, tecnológico e político que dizem
respeito ao lugar e, nesse caso também, ao projeto do mobiliário, ao contexto
em que foi inserido. O outro conceito é o Design Emocional, que também traz uma
abordagem que diz respeito ao usuário e sua satisfação às questões materiais e
imateriais que interferem na sua relação com o mobiliário urbano. A ideia é
propor análises que nos levem a compreender como este elemento possa ser mais
identitário e reconhecível pela população, valorizado, admirado e que realmente
consiga servir, satisfatoriamente, a toda comunidade local. Então acredito que
existe essa sinergia entre os conceitos, que traz uma perspectiva para a
elaboração de critérios e diretrizes para a qualificação de mobiliários urbanos,
respeitando os aspectos que dizem respeito à cidade, ao lugar, à sensação de
pertencimento e apropriação que esses elementos devem propiciar aos habitantes
da cidade. Isso leva a discussão também para o campo da sensorialidade, das
emoções e da percepção do usuário, pois o mobiliário urbano não é somente um
produto funcional, precisa também dialogar com a cidade, com seus moradores e dar
a sensação de segurança e pertencimento, para que assim esteja presente na
paisagem com mais qualidade e eficiência.
Para melhorar o
mobiliário urbano de Goiânia, acredito ser importante conversar com a população
para ouvir suas demandas. Não se pode simplesmente instalar um mobiliário e
entregá-lo à população como se aquilo fosse apropriado ou muito útil a
determinado local. A identidade local também se modifica de acordo com cada região
e contexto sociocultural e econômico dos bairros que compõem a cidade. As
necessidades dos moradores do Setor Sul, por exemplo, são muito diferentes das
necessidades do Setor Norte Ferroviário, ou de Campinas. Cada qual vive sua própria
realidade. Para cada espaço é importante haver um diálogo com o entorno, com as
atividades que a comunidade mais valoriza e a arquitetura presente. Os parques
públicos também têm sua própria história e particularidades. Então, para
alcançar um resultado positivo na instalação de novos mobiliários urbanos, estes
deveriam ser capazes de convidar as pessoas a caminharem, a “habitarem” as ruas
e parques, a usufruírem do espaço público aberto, ao invés de “contemplá-la”
através das janelas dos edifícios ou dos carros e ônibus. É preciso conhecer as
demandas e valores da comunidade que está sendo atendida pela administração pública,
hoje a responsável por estabelecer as regras de uso do espaço público, de ruas,
calçadas e da instalação e conservação do mobiliário urbano. Esta, por sua vez,
deveria promover maior qualidade de vida na cidade, cuidando e fiscalizando, garantindo
segurança, iluminação, arborização e qualidade das calçadas e equipamentos que
compõem todo espaço público urbano.
A qualificação desses
elementos urbanos, quando se consegue maior identidade com a cidade e com seus
moradores, exige compromisso, planejamento e competência, e não medidas
provisórias que solucionam, em parte, problemas por curto espaço de tempo e que
sofrem, periodicamente, com administradores e legisladores que não se
interessam com a qualidade da cidade. No caso de Goiânia, acho que falta um projeto
de cidade. Faltam bons projetos de mobiliário urbano e, sobretudo, uma maior
consciência do poder público com a questão da cidade e sua influência sobre a
vida das pessoas, e que hoje está, infelizmente, nas mãos das grandes construtoras
e do poder econômico que, ano após ano, vem deformando nossa cidade e
rejeitando sua história, memória e todo o seu patrimônio material e imaterial.
Fórum: Quais
exemplos positivos e negativos de mobiliários urbanos?
Rodrigo: Temos vários
exemplos em Goiânia de estruturas que estão dispersas em toda cidade, mas que
ninguém se lembra que existem, porque passam despercebidas ou foram destruídas
pela população. Ou seja, os próprios moradores negam o mobiliário oferecido
pela administração pública, mandam um recado que aquilo não faz parte da sua
identidade, que não merecem respeito ou, na maioria dos casos, não cumprem seu
papel adequadamente, como por exemplo os abrigos de ônibus, quase todos em
péssimas condições. A partir do momento que você instala um mobiliário e ele é
depredado, significa que a população não se reconheceu ali, nem encontrou
utilidade ou função para aquele equipamento. Outro exemplo são os orelhões.
Equipamento utilizado por todas as classes e presente em toda cidade,
imprescindível para quem não podia ter telefone próprio, décadas atrás, devido o
seu alto custo, estes equipamentos foram rapidamente esquecidos pela população,
devido sobretudo à expansão e barateamento da telefonia celular e da própria internet,
que transformou os smartphones numa grande coqueluche mundial. Por isso os
orelhões estão fadados ao esquecimento, em todo o mundo, assim como em Goiânia.
Por isso vêm sofrendo com a depredação, pois a população não o reconhece como
algo necessário ou que deva ser preservado.
Os abrigos de ônibus,
outro exemplo recorrente, são estruturas também extremamente maltratadas pela
população e pouco valorizadas pela administração pública. Seus principais
problemas, pode-se dizer, estão diretamente relacionados aos locais de
instalação, aos projetos mal dimensionados que não respeitam calçadas e o próprio
espaço público, problemas de projeto que não impedem o excesso de insolação, o
uso inapropriado de materiais que afastam ou incomodam os usuários, a falta de
proteção da chuva, a falta de identidade com a cidade e, sobretudo, a sensação
de insegurança que ajudam a causar nas pessoas, em parte devido à questão
social e urbana que atormenta toda população e que, infelizmente, invade o
transporte público urbano, abrigos e terminais de ônibus. Isso cria um
sentimento muito negativo nas pessoas, uma experiência ruim e a sensação de que
aquilo não tem valor algum, não realiza sua função coerentemente, por isso não
se tem motivos para preservá-lo. Então o sujeito pinta, quebra, cola cartazes, propagandas...
transforma aquilo à sua imagem e semelhança, se apropria e “manda recados” à
sociedade de que aquele mobiliário urbano não vai bem, que aquilo não pertence àquela
comunidade e que talvez necessite ser repensado. Mas isso faz parte também da
dinâmica da cidade, que “escreve” a paisagem urbana, os ritos, costumes,
hábitos, condições e sentimentos da população.
É preciso se
atentar também para o fato de que a identidade de Goiânia, como cidade
planejada, talvez tenha sérios problemas. Não temos uma padronização dos
elementos visuais e sinaléticos de informação, a publicidade desordenada e de
qualidade duvidosa na maioria das vezes esconde belíssimas fachadas de
edifícios históricos, sobretudo no centro da cidade, onde o agrupamento de
placas contribui também para uma maior poluição visual e a percepção negativa
de seus habitantes.
Felizmente existem
casos de sucesso espalhados pelo mundo, e também no Brasil, como em Curitiba e
Rio de Janeiro. Podemos citar Londres, Manhattan, Paris e Copenhagen, que
possuem identidade e ótima qualificação da paisagem urbana, incluindo o
mobiliário urbano, com qualidade e design primorosos. Nessas grandes metrópoles
conseguimos nos localizar muito bem, enxergamos uma marca própria, uma
identidade local que inspira e ultrapassa fronteiras, que cria admiração e
satisfação nas pessoas, pois são referência no planejamento urbano, na
qualidade do mobiliário urbano implantado, na qualidade das calçadas, no ótimo
sistema de transporte público, na limpeza e no uso coerente – e rentável - da
publicidade no espaço público e nos equipamentos que o compõe.
Fórum:
De que forma um mobiliário urbano de qualidade auxilia na mobilidade urbana?
Rodrigo:
Uma cidade bem organizada pressupõe um mobiliário urbano adequado e um sistema
de transporte público de qualidade. Uma cidade que apresenta problemas em sua
administração e na organização de seu sistema de transporte, invariavelmente
apresenta também problemas com o seu mobiliário urbano, pois não respeita as
diferenças, ignora as exigências locais e, sobretudo, necessidades prementes da
população. Um exemplo de sucesso que pode contribuir para a melhora da
mobilidade urbana, é oferecer um mobiliário urbano de qualidade e um sistema de
sinalização eficiente, assim como ocorre na maioria dos sistemas de metrô,
presente nas principais cidades mundiais. Pense na diferença evidente entre uma
estação de metrô e um terminal de ônibus urbano. Na primeira, é possível se informar
satisfatoriamente bem devido ao conjunto de elementos de sinalização que, além
de imprimirem uma identidade ao local, ajudam o cidadão a se localizar, a
estabelecer uma ligação com o local, lhe dá maior sensação de segurança e o
leva a admirar e preservar o ambiente e suas estruturas. Em contrapartida, nos
terminais de ônibus, o que se encontra com frequência é sujeira por toda parte,
falta de sinalização, depredação e insegurança, o que leva as pessoas a tentarem
sair o mais rápido possível daquele local, oferecendo uma experiência muito
negativa e pouco memorável.
A
falta de uma iluminação adequada nas ruas e calçadas, a existência de pisos
irregulares que não convidam as pessoas a caminharem ou pedalarem. A
priorização do automóvel como solução para o transporte urbano, a permissão de
altas velocidades nas vias que cruzam a cidade ou de estacionamentos no passeio
público, a existência de um sistema de sinalização pouco eficiente, confuso ou
mal conservado, a sensação de insegurança e, sobretudo, a falta de opções de
transportes alternativos para a população, acaba estabelecendo uma realidade
que incomoda a todos nós, pois escancara justamente a falta de mobilidade
urbana existente em nossa cidade. Portanto, situações assim precisam ser melhor
resolvidas por todos aqueles que pensam e discutem a cidade, investindo numa
cidade com maior qualidade e planejamento urbano eficiente, que influencia
diretamente todo o sistema de mobilidade urbana e o próprio conjunto de
mobiliário urbano que compõe a cidade.
O Fórum Entrevista: Rodrigo Balestra
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